the silence of spathiphyllum wallisii


❝...muito calor, era um final de dia escaldante. Olhei para os lados, me vi dentro de uma casa pequena e vazia, paredes na cor verde bastante desgastados, estava deitado no chão sem forças para levantar, passos e risadas de crianças sombreavam por uma fresta de luz que entrava pela porta principal mal encaixada. Percebi que estava desabando em lágrimas por algum motivo que não me recordo, um cheiro de gás forte vinha da cozinha, mas não tinha forças para me rastejar ou gritar, sentia apenas um silêncio profundo e solitário. Decidi não lutar, apenas abandonei minhas forças junto a tristeza que sentava em meu peito, deixando apenas um pouco de espaço para respiração. Era como se estivesse feito algo muito errado. Assim veio um fio de lembrança, eu estava naquela casa escura, tinha chegado mais cedo e havia mais duas pessoas comigo, não me lembro quem eram, usei todo o resto de força nas pernas e levantei com muito esforço, escorando na parede andei até o primeiro quarto, porta de madeira bastante desgastada, sem maçaneta, abri mas não tinha nada alem de um guarda roupas, cama vazia e empoeirada, como o resto da casa, me dirigi ao segundo quarto, trancado, mas a parte inferior da porta estava meio quebrada, como se algum animal tivesse entrado ali arranhando aquele local, me abaixei com muita dificuldade para tentar olhar, não consegui ver nada pois estava muito escuro, sentei encostado na porta, mal conseguia manter uma respiração continua, o cheiro de gás estava forte demais, me deixando cada vez mais tonto.
Por mais que eu empurrasse com as costas, não tinha forças para arrombar a porta, então decidi lembrar o que tinha acontecido até chegar ali. Me veio na memória uma música muito antiga, parecida com aquelas vinhetas de filmes que mostram cenas dos anos 60, exibindo carros e pessoas com vestimentas da época, junto a isso, um beco estreito entre casas de tijolos a mostra por todos os lados, paredes altas onde não conseguia ver o fim, chão molhado como se tivesse chovido há pouco tempo. De repente, clareou a lembrança de um abraço forte, que tivera me feito perder o equilíbrio e encostado na parede atrás de mim. Desperto de repente e sinto como se o cheiro do gás estivesse diminuindo gradativamente, fecho os olhos e tento voltar o pensamento ao momento do abraço.
Me vejo em um momento de paz, onde os pelos do corpo pareciam formigas correndo desesperadamente tentando fugir de alguma ameaça.
Volto a me ver ali, o pensamento foge quando algo muda na minha realidade, sinto uma dores na cabeça muito forte, ao esticar as pernas toco em uma cadeira jogada ao chão, percebo logo acima uma estrutura de escadas que deve levar ao pavimento superior, um pequeno aquário vazio com o vidro quebrado, feito com alguma estrutura de madeira na cor azul. A única coisa que me vêm na cabeça é a sensação de abandono, sem conseguir compreender o porque de não estar tão desesperado para sair, sinto talvez estar acomodado pelo acúmulo de tantos sentimentos confusos que nem me vem a ideia de fazer algum barulho e chamar atenção de quem possivelmente estivesse do lado de fora ouvir meus pedidos de socorro. Respeitei o silêncio lacrimejei por mais alguns momentos, com isso veio a lembrança do abraço, ela também chorava, chorávamos juntos, no silêncio desse mundo paralelo entre realidades tão distantes, ela me olhou e sorriu entre o cair das lágrimas, o silêncio era maior que qualquer palavra, poderia dizer inúmeras coisas, mas seriam apenas um ruído incompreendido e abandonado pela tristeza e o nosso abraço. Ficamos imóveis enquanto os soluços sumiam, assim ela me olhou uma segunda vez, passou levemente uma das mãos em um único olho retirando suas lágrimas e me deixou.
Abro novamente meus olhos, a casa continua exatamente como antes, apenas acrescento algumas manchas feitas no chão com minhas mãos, molhadas pelas lágrimas que ainda escorrem sem sentido. Meu corpo gradativamente adormece e sinto um frio muito interno forte, talvez seja assim que a vida chegue ao fim, não existia mais forças para respiração, abrir os olhos ou bater o coração. Somente me pergunto o porque desse silêncio? Poderia ter dito qualquer coisa naquele momento, ter prestado atenção a mais detalhes, precisava saber o que estava acontecendo, mas só era necessário compreender apenas o silêncio.
No abraço não havia palavras, mas falamos tudo o que era necessário, ela me escutou, estávamos conectados pela inexplicável situação, cada um em seu silêncio mas sintonizados em uma frequência só nossa, o silêncio não era apenas a ausência do som, mas nele faltava a linguagem que estávamos necessitando, resguardando tudo no mundo, ocultando os detalhes nesse entrelaçar de corpos, cultivando o silêncio que acolhe e faz colher a essência que nossos olhos desacreditavam.
Em seu punho fechado, um punhado de terra amassada, comprimida ao máximo de suas forças, colhida num local semeado pelo silêncio que recolhia e fazia sonhar, até quando ouvíamos sons reais, eram de fato imaginários, assim comparávamos com o vento que leva tudo embora e fazia sumir em sua imensidão para quem sabe assim, um dia, quando aquelas sementes se tornarem árvores centenárias, um velho poeta, carregando seu pequeno caderno de rabiscos teus nas mãos, possa sentar com frio, recolhido nas suas sombras, enxergar, apenas por mais uma única vez, as lágrimas revelando seus três singulares brilhos...❞


- marcosask -




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