oi, sou Marcos da terapia.


❝...oi, tudo bem? 

Aqui é Marcos, sim, Marcos da terapia.

(foi bem assim que começou)

Enquanto as pessoas acordam e correm para o celular, eu apenas abro a janela do quarto e olho o pedaço de céu que imagino ser meu. Mas, como é de costume, também pego o celular, mas ao invés de verificar as mensagens, apenas vejo o e-mail, por mais que pareça estar em desuso e só utilizado de maneira corporativa, sim, olho todo os dias e todo o tempo. A maioria das mensagens são sobre cursos de faculdade, propagandas sobre livros e assinaturas tecnológicas, como se eu ainda achasse isso tudo interessante.

Sabe uma coisa que acho tosca mas meu filho faz sempre? É pedir comida por aplicativos. Acho que sou tão velho que sinto prazer em ver um cardápio, falar boa noite e conversar, por mais que seja com poucas palavras sobre sabores que vou querer. Ainda estudo cenografia aqui perto de casa, e sim, ainda moro com meus pais, minha irmã e alguns pássaros que restaram. Gostaria de ter um gato, mas vou deixar isso para quando realmente me sentir seguro em ter.

Mas vamos lá. 

Sou Marcos, mas amigos antigos me chamar de Cabal. Somente os mais antigos.

O que estou fazendo agora?
- Nada demais, apenas olhando as horas passar.

O que ando pensando?
- Tenho pensado muito em ficar quieto, mais um tempo sozinho em meu canto, mesmo que isso seja o meu maior medo, mas confesso que tenho até sonhado com a solidão. Na verdade, é bastante estranho perguntar isso a mim mesmo. Em meu Facebook, tenho 99 pessoas que considero como melhores amigos, por mais que praticamente nenhum deles eu veja mais, enquanto outros, uma vez por ano e olhe lá. Na verdade, são 98, acabei de remover alguém que está aqui sem nenhum motivo especial. 
Sinceramente, meu chat fica durante todo o tempo desabilitado, não tenho a mínima vontade de falar com ninguém. Mas gosto de olhar mensagens antigas, ver como era falar de maneira tão tranquila com as pessoas.
Ah, olha o que eu falava com Samanta, conversávamos sobre música e coisas sem noção que fazíamos há muitos anos antes. Faz muito tempo que não a vejo, acho que nem tenho mais o número dela. Tanta coisa mudou de lá para cá. Estou tentando lembrar da última vez que fui no cinema com meus amigos, acho que passei tanto tempo no celular e não me lembro nem o nome do filme. Se não me engano, Cadu estava com a gente, ele que anda tão sumido e me manda mensagem de vez em quando perguntando se estou bem, mas a resposta é sempre a mesma.

- oi... tá tudo bem sim :D.

Eu e ele, praticamente crescemos juntos, acho que foi um dos únicos amigos de infância que ainda conversamos e discutimos sobre coisas que não falo para quase ninguém. Lembro que quando sai do interior e vim para capital, ainda tinha o costume de ir durante as férias, meu primo Ron era alguém com que eu considerava meu melhor amigo, o que mudou depois do falecimento da minha vó, o interior perdeu o sentido e não sentia ânimo algum de passar férias lá. Sabe um detalhe engraçado? Quando morávamos na casa antiga, minha mãe ligava para mim perguntando onde eu estava, mal sabendo ela que eu já tinha chegado e estava no quarto deitado, pois quando chegava, não tinha vontade de comer e ver ninguém. Como meu quarto ficava no primeiro andar e não ia "em casa", ela me ligava achando que tinha acontecido alguma coisa. Era como se eu morasse sozinho, vivesse isolado do mundo mesmo estando perto, acho que era bom, me sentia bem assim. Eu só subia para comer alguma coisa, via meus pais vendo tevê, novelas que nunca tive o interesse de assistir, não via nitidamente o rosto de ninguém, apenas ia diretamente para cozinha, pegava o que queria e descia. Hoje em dia, ela esquece tudo no mundo para olhar o whatsapp, imagina quantos arroz foram queimados nessa brincadeira? A resposta é sempre a mesma: "Estava ouvindo reza e esqueci". Me lembro que no dia das mães ela postou uma foto e recebeu vários elogios, logicamente não foi comigo, sim com minhas duas irmãs, mas tudo bem, não ligo.

Nesse dia, votei para o meu quarto como de costume, tinha que sair cedo na manhã seguinte. Eu tinha um despertador barulhento, daqueles transparentes que era uma febre nos anos de 2006, todos tinham um e era doloroso ouvir aquele barulho pela manhã. O interessante é que era preciso habilitar para que ele funcionasse pela manhã, por várias vezes esquecia e perdia a hora de ir ao trabalho.
Um dia desses, pensei em reunir a galera, por mais que o povo seja chato, acho que seria um bom programa para um sábado de sol.
Em falar nisso, hoje é sábado e o dia está super quente, mas para ser honesto, gostaria de ficar trancado no quarto como se não houvesse um mundo lá fora. E como de costume, dei uma paginada no twitter, mas só politica, morte de adolescentes e mais politica. Hoje é quase um feriado de tanto sol.

Nossa, tem 120 mensagens no whatsapp. Não vou nem arriscar abrir.

Hoje eu queria apenas ter dormido para acordar e aquecer um macarrão instantâneo, ouvir minha mãe dizer que é um veneno e voltar a dormir.
Mas tudo bem, hoje preciso iniciar o relatório do estágio, são 48 páginas de instrução, imagina qual será o tamanho do trabalho final. Vou começar a fazer assim que olhar meu Facebook, já que faz muito tempo que não o abro.
Nesse feed tem algumas páginas de humor e bobagens que me fazem sorrir de vez em quando. Infelizmente acabei vendo foto da última festa que não fui, todos os meus melhores amigos estavam lá, não os 98, é claro.
Em falar nisso, daqui há uns dias já é aniversário do meu pai, vou ouvir falar das idas nas praias, do dia que quase se afogou e histórias de conflitos com pessoas que morreram até antes de eu nascer.
Sinto que é até meio deprimente, mas estou aqui sentado pensando em tanta coisa e sem sair novamente do mesmo lugar. Vamos lá, preciso começar a escrever, tenho tanta coisa para estudar e não tenho o mínimo ânimo. Segundo o Google, "estou com sorte", mas de que sorte estamos falando?
Olha lá Cadu me perguntando "qual é a boa?". Vou abrir a página dele para ver. Nossa, ele realmente se mantêm namorando, às vezes pergunto sobre, mas nunca tenho muitos detalhes. Olha só, aquela ruiva que curtiu as fotos dele é a mesma que está em meus amigos e não me lembro de conhece-la. Apenas seguimos para olhar as fotos e imaginar o mundo mais colorido. Sabe, gosto das publicações dela sobre poesias, filosofias e vida simples.
Paginando isso aqui tá me dando umas pontadas, não está sendo legal para mim. O que será que é essa sensação que estou sentindo? Deixa eu abrir o google: o que fazer quando sentimos .... quando ...esse tipo de dor. É... mas de seis milhões de páginas, de câncer até um simples mal dormir, não dá para saber.
AH, o trabalho... se eu me manter assim, vou ser reprovado. Será que a professora respondeu ao meu e-mail sobre o que fazer do meu tcc? Checando minha caixa de entrada, não tem nada de novo, mas tem uma mensagem do ano passado da minha prima que mora em fsa. Não falo com ela há tanto tempo, que nem sei como ela está. Lembro da minha tia, quando eu tinha oito anos, recém chegado do interior, era alguém super engraçada, uma cópia da minha mãe que xingava "porra" no final de cada frase. Sempre que era meu aniversário, meus pais faziam um pequeno bolo para mim, eu sempre envergonhado não queria, mas me divertia em ver todos reunidos olhando para mim como se esperasse alguma reação, eu não tinha a mínima ideia do que fazer. Lembro de um aniversário meu, logo quando o facebook virou febre, recebi mais de 100 mensagens desejando feliz aniversário, mas nenhuma ligação.
Olha, sobre o trabalho... Ctrl+c, Ctrl+v. Resolveu, temporariamente.
É, mais uma vez vou navegar nesses sites de relacionamentos somente para olhar e não dar uma palavra sequer. Vejo tantas pessoas em busca de pessoas que é assustador, fotos plastificadas, pessoas que se interessaram em meu perfil e até algumas que conheço pessoalmente estão aqui, em busca de que? Olha, acho melhor excluir mais uma vez essa conta, não faz sentido algum isso aqui.
Estou aqui, sentado nessa clinica há mais de duas horas, aguardando ser chamado. Confundi de 09 para 11 horas, só que foi tão difícil estacionar, que não me arrisco em sair. O mais interessante é que essa sala de espera parece um quarto infantil, paredes em tom azul quase branco, cadeiras verdes claro e algumas revistas, se estivesse brinquedos e mais barulho, acho que estaria repleto de crianças. 
Imagino que vou falar para psicóloga como tudo tem ficado estranho de janeiro (2019) para cá, dizer como me sinto diferente quando mexo minha cabeça para os lados e todos estão de encontro aos seus respectivos smartfones, focados na vida alheia, conversando, namorando, tirando conclusões precipitadas, afastando tudo o que está próximo. Mas, eu até me sinto tranquilo com essa frieza, é menos gente olhando para mim, me julgando. Espero que tudo que vejo como inútil, seja útil para alguma coisa além disso tudo o que parece.  
Será que nessa geração, surgirá alguém parecido com Freud ou novos Einsteins, ou estão ali esperando apenas alguém diminuir o mesmo nível de frustração que tenho?
Realmente, acesso a tanta tecnologia está cada vez mais enlouquecendo as pessoas. Ontem passei meia hora na cozinha lavando os pratos, meu pai olhando um antigo livro e minha mãe não sequer tirou os olhos do celular. Sim, faço isso também. E talvez seja por isso que estou aqui.
Mas, daqui a pouco ela vai me chamar, faltam apenas 15 minutos, sempre 15 minutos...
Acho que vou aproveitar e dizer que não posso vim na próxima seção, falar que não faz mais sentido e que está tudo indo bem. Quero encerrar essa fase mesmo sem saber o que de fato está significando para mim.
Lembro que quando eu era mais novo, tive um acompanhamento psicológico, meio que meus pais não me deixavam faltar. Só que até hoje é o mesmo tipo de papo, ele dizia que eu devia sorrir mais, assim as pessoas iam se aproximar de mim, que eu não tinha como ter amigos dentro de meu quarto, calado, quieto e apenas estudando sobre assuntos diversos. Me recordo que questionava estar fora de casa, e mesmo assim as coisas não estavam indo bem.
Perguntei se ele queria ser o meu amigo, nossa como sou infantil. Imagina eu e minha psicóloga hoje, saindo para conversar, beber e bater papo sobre as coisas do mundo ...realmente sou muito infantil. Hoje apenas vou ficar calado, da mesma maneira que foi na semana passada, apenas viro o celular de tempo em tempo para acompanhar a passagem dos minutos.
Mas falei... estou pensando em me dedicar mais a solidão, reduzir minha rede de amizades para 20 pessoas com quem eu realmente me sinta bem em estar, não quero mais surpresas ou algo do tipo, quero apenas um dia tranquilo e uma noite comum, sabe?
Queria que alguém aparecesse para mim, sem uma notificação, um perfil ditado, regras que devo tomar, sem toque, sem alarde, e não poste em lugar algum que esteve comigo, presente, sem que outros olhares se intrometessem, que aquele momento fosse finito, mas tivesse um sentido importante para nós. Sabe, o meu mundo tem andado muito silencioso, e dói muito escuta-lo assim. As pessoas não falam mais, se tornaram imagens estáticas de sorriso lindos, belos em locais badalados, elas não falam mais nada, apenas postam e postam o que acham interessante, não para si, mas para os outros.
E você, doutora, é a única pessoa que em muito tempo, tem olhado, por uma hora, no fundo dos meus olhos avermelhados e esperado eu falar algumas palavras, que fizessem algum sentido positivo em meu diagnóstico. Mas, me desculpe, hoje não vou falar nada, apenas me calar...❞


- marcosask -



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